INTRODUÇÃO
Endometriose é a presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina, mais comumente
nos ovários e trompas de falópio. Além disso, a endometriose é encontrada em
cicatrizes de laparotomia, episiotomia e cesariana. É uma desordem relativamente comum na
idade reprodutiva da mulher e está associada com significativa dor e morbidade
(JEFFCOATE, 1987).
Estando também associada com doenças obstrutivas como colo uterino não permeável ou
vagina ausente, e foi descrita em pacientes adolescentes como uma anomalia congênita,
agindo como barreira ao fluxo menstrual.
Sampson, em 1921, foi o primeiro a descrever a endometriose como uma entidade clínica em
uma paciente com cistos ovarianos de "chocolate" (FREITAS ET AL, 1993).
A endometriose é, portanto, uma doença que acomete mulheres durante o menacme com queixa
de dor pélvica, que tiveram dificuldades para engravidar ou são nulíparas.
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma pequena revisão das mais novas teorias
sobre endometriose, discutindo as terapêuticas mais recentes.
EPIDEMIOLOGIA
A prevalência nos Estados Unidos é 2% das mulheres férteis possuem endometriose, 3 : 4
de mulheres inférteis possuem endometriose. (TIERNEY ET AL, 1998). A prevalência da
endometriose dentro da população feminina varia de 5 a 15%. Mulheres com endometriose
tem 20 vezes mais chance de serem inférteis.
A sua freqüência é aumentada em mulheres com irmãs ou mães com endometriose,
principalmente em suas formas mais graves e recidivantes. É excepcional em mulheres na
pós-menopausa ou em homens, exceto se utilizarem hormonioterapia. Em pacientes púberes,
deve-se investigar a presença de malformações do trato genital a qual bloqueie o fluxo
menstrual. (HANEY, 1993)
ETIOPATOGENIA
O mecanismo pelo qual ocorre o desnvolvimento da endometriose é desconhecido, e há muita
discussão quanto à origem das células endometriais aberrantes (quadro 01). Existem
três teorias básicas:
1. Teoria do implante direto: sugere que as células endometriais são implantadas
diretamente através da regurgitação transtubária do sangue menstrual e partículas
endometriais por ocasião da menstruação, com posterior crescimento na pelve;
2. Teoria da metaplasia celômica: esta afirma que as células multipotenciais são
estimuladas para se diferenciarem em endometriose em qualquer tecido com um epitélio
celômico;
3. Teoria da disseminação vascular: sugere que as células endometriais penetram na
vascularização uterina ou vasos linfáticos na menstruação e são carregados para
locais distantes.
Sampson sugeriu que pode ocorrer fluxo retrógrado de fragmentos do tecido endometrial por
meio das trompas para dentro da cavidade peritoneal, durante a menstruação. A
regurgitação transtubária da menstruação é relativamente comum, foi confirmada em
laparoscopia realizada durante a menstruação e com toda probabilidade ocorre em quase
100% das mulheres menstruantes.
- Este ovário foi seccionado, revelando um grande cisto endometriótico com material necrótico de cor marrom composto por sangue degenerado (cisto de chocolate)
Teorias para histogênese da endometriose
Regurgitação transtubária e
menstruação retrógrada
Implante direto de células endometriais
Metaplasia do epitélio celômico
Disseminação linfática
Disseminação hematogênica
Ativação de células embrionárias residuais
Ativação de restos Wolffianos
Metaplasia do urotélio
Fator hereditário
Fator imunológico
A teoria da metaplasia celômica criada por Ivanoff é defendida por Novak, onde todo foco
de endometriose origina-se do epitáelio celomático e esse epitélio sofre a ação
persistente do hormônio estrogênio. Quando ocorre nos locais de incisão cirúrgica
durante o parto (episiotomia ou cesariana), deve-se à implantação direta do tecido
endometrial. Nos demais casos, como já fora dito na teoria de Ivanoff, admite-se resultar
da metaplasia endometrial no epitélio celômico do peritônio.
Todas as teorias explicam que a endometriose sofre influências acentuada dos hormônios
ovarianos e mantém o crescimento e a manutenção dos cistos de endometriose.
A endometriose apresenta-se sob a forma de massas de dimensões variadas, contendo
pequenos cistos, por vezes milimétricos, de parede hemorrágica e de conteúdo
caracteristicamente achocolatado. Nos ovários, entretanto, formam-se grandes cistos,
contendo o típico material achocolatado; às vezes os cistos estão rotos e podem ser
confundidos com os grandes cistos de corpo lúteo. Como o endométrio ectópico costuma
responder ciclicamente aos estímulos hormonais, explica-se o aumento progressivo dos
cistos pelo seu maior conteúdo hemorrágico.
A tendência fisiológica para desenvolver endometriose em múltiplas localizações
anatômicas foi proposta como sendo hereditária, embora os equilíbrios enzimáticos,
químico-hormonais herdados, necessários para estabelecer a endometriose não fossem
esclarecidos.
Simpson sugeriu um padrão hereditário poligênico ou multifatorial por causa do índice
de recidiva de 6,9% em todos os parentes do primeiro grau. Isso poderia ser apresentado
desse modo: uma paciente aparentemente não afetada com parente do primeiro grau afetado
deve ser avisada de que o risco de aparecimento da endometriose é de 7%.
Atualmente, a endometriose tem sido caracterizada por um grande número de anormalidades
imunológicas (GLEICHER, 1995). Há estudos que demonstram expressam de receptores de
estrogênio e progesterona nas células colunares do peritônio pélvico e endometriose
típica, mas não no mesotélio normal, sugerindo que a endometriose pode se originar das
células colunares que possuem esses receptores no peritôneo pélvico (FUJISHITA, 1997).
Há possibilidade de fatores imunológicos como macrófagos peritoneais, células
"natural killer" e os produtos secretados por essas células estejam envolvidos
na patogênese da endometriose (ORAL,1997). Talvez fatores genéticos e hormonais em
conjunto sejam responsáveis pelo aparecimento da endometriose.
Sendo assim, a possibilidade de que o desenvolvimento e a progressão da endometriose
estão associados com função imune anormal e uma resposta inadequada do sistema de
defesa peritoneal é a hipótese mais recente e melhor considerada pelo meio científico
para explicar a etiopatologia desta doença (BONTIS, 1997).
Corte histológico de um cisto endometrial, à direita visualiza-se a glândula endometrial, à esquerda o estroma endotelial e ao centro inúmeros macrófagos contendo Hemossiderina.
QUADRO CLÍNICO
As células endometriais implantadas ectopicamente respondem às mudanças cíclicas do
estrogênio e progesterona com proliferação e secreção. A presença deste tecido
ectópico pode iniciar resposta imune e inflamatória que levam ao surgimento da dor e
adesão peritoneal, e que pode interferir com a fertilidade da mulher (CORWIN, 1997) .
A endometriose pode ser assintomática ou sintomática, sendo 30 a 40 % das pacientes
assintomáticas. Quando sintomática apresenta como sintoma mais comum a dor pélvica, que
em sua maioria é cíclica e exacerba-se no período perimenstrual, podendo irradiar-se
para membros inferiores ou região lombar. A paciente pode queixar, também, dispareunia
profunda e dismenorréia.
É possível ocorrer formação de endometriomas, que são focos macroscópicos de
endometriose formando uma lesão expansiva, que causará dor e desconforto abdominal,
podendo ser referidos sintomas urinários por compressão tumoral. A endometriose pode
manifestar-se, raramente, por hemoptise, tenesmo, dor ou derrame pleural e até mesmo
sintomas focais do sistema nervoso central.
A dor pélvica parece ser decorrente da reação inflamatória causada pelos implantes
peritoneais através da liberação de prostaglandinas e extravasamento de sangue em
tecidos adjacentes. As pacientes que apresentam dispareunia profunda costumam ser aquelas
que apresentam maior incidência de implantes vaginais.
Os locais mais comumente afetados, por ordem de freqüência, são os ovários, os
ligamentos útero-sacros, fundo de saco posterior, folheto posterior do ligamento largo e
fundo de saco anterior; outros locais como a vagina, colo uterino, alças intestinais,
bexiga e serosa uterina são menos comuns.
Estudos demonstram que as mulheres que sofreram cirurgias devido endometriose e que tinham
um longo tempo de doença, anos depois foram hospitalizadas por motivo de câncer de
ovário, de mama e de tecidos hematopoiéticos. O que nos sugere uma estreita relação e
que nos chama atenção para um melhor acompanhamento dessas pacientes e do possível
envolvimento de fatores hormonais e imunológicos no risco de desenvolvimento do câncer.
(BRINTON ET AL, 1997)
No desenvolvimento da endometriose há relação com a idade da menarca, a época da
manifestação clínica da doença, as irregularidades menstruais, dismenorréia, podem
aumentar a exposição da cavidade peritoneal à menstruação retrógrada, aumentado
assim o risco de desenvolver endometriose. Quando a menarca ocorre antes dos 12 anos de
idade, duração da menstruação maior que 5 dias, ciclos menores que 28 dias, número de
partos, idade do primeiro parto, classes sociais, todos esses fatores estão relacionados
com a endometriose. (ARUMUGAM ET AL, 1997)
A classificação atual para endometriose tem como objetivo primário formular o
prognóstico dessas pacientes e correlacionar a significância da dismenorréia com
endometriose.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de endometriose pode ser realizado através de uma boa anamnese, um bom
exame físico, laparoscopia, ultrassonografia, ressonância magnética, histopatológico,
CA-125 e outros:
1. Anamnese e exame físico: caracterizando a dor pélvica relacionando-a com o ciclo
menstrual, não esquecer de perguntar antecedentes familiares e o passado reprodutivo da
paciente. Verificação de sangramento irregular. O exame físico não é muito rico, mas
nos casos clássicos palpa-se nodulosidade dos ligamentos útero-sacros, fundo de saco e
septo retovaginal, havendo dor referida pela paciente à mobilização uterina, ou se
houver presença de endometrioma sentiremos ao toque uma bimanual massa anexial;
2. Laparoscopia: esta é o teste padrão, sempre devemos indicá-la na presença de
qualquer dúvida. As lesões podem ser visualizadas em seus diferentes estágios de
evolução, podendo apresentar coloração azul escura em ovários, superfícies
peritoneais, bexiga, ligamentos uterinos etc. As lesões podem ser vistas, ainda, como
manchas, vesículas, pápulas ou retrações cicatriciais secundárias à doença. A cor
do implante também é muito heterogênea, pode ser vista como "cistos de
chocolate", amarelada, hemorrágica ou até preta. (FREITAS, 1993);
3. Histologia: possui valor limitado, pois apenas confirma 70% dos implantes;
4. Ecografia: seu valor é positivo apenas nos casos de endometriomas, os quais não são
comuns;
5. Ressonância nuclear magnética: sua acurácia é de 63%, pode ser usada no
diagnóstico de massa pélvica, contudo não serve como método de rastreamento;
6. CA-125: está elevado nas pacientes com endometriose, principalmente em estágios
avançados, podendo ser utilizado para seguimento das pacientes;
7. Doppler: mão possui boa acurácia quando utilizado isoladamente.
Sendo, portanto, a melhor forma de diagnosticarmos a endometriose a realização de uma
boa anamnese, bom exame físico, uma ultrassonografia e uma laparoscopia, é importante
verificarmos o nível de CA-125, para podermos utilizá-lo na evolução desta paciente.
TRATAMENTO
O tratamento é realizado com o propósito de aliviar a dor e prevenir complicações. A
maioria das terapêuticas utilizadas agem reduzindo os níveis de estrogênio e/ou o ciclo
menstrual. Pode-se realizar os diversos tratamentos abaixo discutidos:
1. Tratamento hormonal
O tratamento hormonal objetiva criar um ambiente desfavorável aos implantes ectópicos,
produzindo um estado de pseudomenopausa, pseudogestação ou anovulação crônica.
· Acetato de medroxiprogesterona: é o progestágeno mais usado, causa decidualização
dos implantes;
· Danazol, isoxazol de testosterona: é uma droga androgênica, atua diminuindo os
níveis de FSH/LH, produzindo um estado de anovulação crônica, diminui os níveis de
SHBG e aumenta a fração livre (ativa) de testosterona; estudos demonstram que o danazol
tem ação na acne e no sangramento irregular superior a gestrinona, além de o danazol
promover uma atrofia endometrial mais rápida. (HALBE ET AL, 1995)
· Gestrinona: tem ação androgênica, antagoniza os estrógenos, é um
agonista-antagonista dos progestágenos, possui mecanismo de ação semelhante ao danazol;
· Goserelina: é um agonista do hormônio liberador de gonadotrofinas, tem a vantagem de
que quando usado associado com a terapia de reposição hormonal nas mulheres
pós-menopáusicas, não há redução de sua eficácia, diminui significativamente os
sintomas da endometriose e diminui os escores laparoscópicos (KIILHOLMA ET AL, 1995);
· Hormônio liberador de gonadotrofina: é recomendado como tratamento inicial para as
pacientes de endometriose que possuem ascite e derrame pleural (SKEK ET AL, 1995);
· RU486 (mifepristone): é um antagonista da progesterona, parece ser efetivo em melhorar
os sintomas, causa regressão da endometriose (KETTEL ET AL, 1996);
· Acetato de Nafarelin: é usado intranasal, está indicado para endometriose recorrente.
Pode ser usado por três meses 200 mg 2 vezes ao dia, mostrou-se eficaz.
2. Tratamento cirúrgico
Poderá ser conservador ou radical. Se a paciente tiver prole constituída e se for
resistente ou não tolerar a hormonioterapia realiza-se pan-histerectomia com retirada de
lesões visíveis. O tratamento conservador é indicado para lise de aderências
impor-tantes, endometriomas e cauterização de implantes. A recidiva após tratamento
cirúrgico com ooforectomia é 10,1% e de 62% se os ovários forem preservados.
Dissecção profunda e excisão devem ser indicados quando há uma doença pronfunda com
dor persistente.
Se a paciente tiver menos que 35 anos faz-se ressecção da lesão se libera as
aderências, favorecendo que ela possa ainda engravidar. Se tiver mais que 35 anos e tiver
prole constituída, com sintomatologia severa, realiza-se salpingo-ooforectomia bilateral,
algumas vezes faz-se também necessário realizar a histerectomia. (TIERNEY ET AL, 1998)
Quando a endometriose está associada a infertilidade, faz-se uma ablação ou ressecção
laparoscópica das lesões tanto na mínima quanto na moderada e severa doença.
Laparotomia deve ser realizada quando necessário. Supressão hormonal é indicada quando
a doença é severa. Faz-se a estimulação ovariana com o clomifeno ou com a
inseminação artificial concomitante na doença mínima. (ADAMSON, 1997)
A ooforectomia isolada nunca deve ser indicada. A neurectomia pré-sacra é raramente
indicada. Estudos através do acompanhamento das pacientes que sofreram laparotomias ou
laparoscopia, verificaram que as mulheres que realizaram excisão cirúrgica tiveram um
pequeno percentual (2,9%) de recorrência da doença (AHMED ET AL, 1997).
3. Tratamento combinado
Alguns autores referem como melhor tratamento realizar terapêutica hormonal por três a
seis meses e uma laparoscopia ou laparotomia posterior para ablação dos focos residuais,
pois o tratamento hormonal prévio diminuiria as aderências tornando a cirurgia mais
fácil.
4. Analgésicos e anti-inflamatórios não-hormonais: podem ser
necessários usados durante alguns meses.
- Bianca Etelvina Santos de Oliveira
- é acadêmica finalista de Medicina
- e atualmente ex-bolsista
- do grupo PET-Medicina.