Zoodermatoses


       
  As zoodermatoses são afecções cutâneas causadas por animais, principalmente protozoários, artrópodes e helmintos. As mais importantes em nosso meio são a escabiose, as pediculoses, a tungíase, as miíases e a larva migrans.

ESCABIOSE

          A escabiose ou sarna humana é uma afecção causada por um ácaro, o Sarcoptes scabiei variedade hominis, de contágio interumano, em geral direto ou, muito raramente, através de roupas. O parasito efetua seu ciclo biológico no homem, não sobrevivendo fora do hospedeiro. Ácaros de animais podem, às vezes, acometer o homem, porém em áreas restritas, tendo via de regra uma evolução autolimitada. A lesão cutânea é causada pela fêmea fecundada do parasito, que escava um túnel sob a camada córnea, para ali depositar os ovos. Estes abrem dentro de aproximadamente 3 a 5 dias, eliminando larvas que, em 15 dias, atingem o estado adulto. Após fecundadas, novas fêmeas perpetuam a moléstia.

Diagnóstico

          O diagnóstico baseia-se em quatro critérios: sintomatologia, lesões cutâneas, topografia das lesões e epidemiologia.

Sintomatologia

          O prurido é o sintoma básico. Geralmente é mais intenso à noite, quando o paciente aquece o corpo na cama, sendo causado não só pela presença e deslocamento do parasito no túnel, mas, em especial, por sensibilização do indivíduo ao ácaro ou a seus produtos. Pode haver dor e infecção secundária.

Lesões Cutâneas

          A lesão cutânea mais típica é o túnel escabiótico, pequena pápula linear ou em forma de S, medindo 3 a 8mm em média (raramente é maior, a não ser em casos tratados com corticosteróides tópicos em que pode atingir quase 15mm). É mais fácil de ser encontrada em locais onde é difícil coçar, como o pilar posterior das axilas e a região lombar posterior, podendo, entretanto, ser vista com freqüência nos punhos, nos interdígitos e/ou face ulnar das mãos. No pênis do adulto e nas regiões plantares das crianças, os túneis também podem ser encontrados intactos.
          Mais freqüentes que os túneis são as micropápulas escoriadas, encimadas por crostículas, com diâmetro médio de 3 a 4mm e em topografia habitual. São produzidas por coçagem, e podem infectar ou eczematizar, mascarando o quadro.
          Em lactentes e em adultos do sexo masculino, podem surgir nódulos acastanhados, extremamente pruriginosos, no dorso, nos membros, nas nádegas, no pênis e no escroto. Estes nódulos podem persistir mesmo após o tratamento específico da doença.

Topografia das Lesões

          A topografia básica compreende os interdígitos das mãos, a face interna dos punhos, os antebraços, os cotovelos, o pilar das axilas, as mamas, os flancos, a região periumbilical, o pênis, o escroto, a face interna das coxas, as nádegas, o sacro, e, em lactentes, as regiões palmo-plantares. As lesões não confluem e poupam face e pescoço, a não ser em crianças pequenas.

Epidemiologia

          A epidemiologia é importante no diagnóstico, principalmente em lactentes, que só podem adquirir a moléstia através do contágio com quem os manuseia. Quadro pruriginoso à noite, em pessoas da mesma habitação ou de contatos mais íntimos, sugerem sempre escabiose.
          Para confirmar o diagnóstico, se houver facilidade de laboratório, deve-se raspar os túneis (onde se pode encontrar o parasito ou seus ovos e fezes) com lâmina de bisturi, diluindo o produto em uma gota de óleo mineral e examinando ao microscópio, com pequeno aumento.

Terapêutica

          A terapêutica baseia-se em: tratamento específico, tratamento coadjuvante, se houver complicações, e medidas gerais.

Tratamento Específico

          Princípios gerais: utilização do medicamento em todo o corpo, mesmo em áreas sem prurido. Cuidado para não ultrapassar o número de aplicações necessárias; tratamento de todos os contatos domiciliares ao mesmo tempo que o paciente, escolha do produto que mais se adapte a cada caso (seja para adulto, criança, lactente ou gestante) ou que esteja mais disponível, dentre os seguintes:
          — Hexacloreto de gamabenzeno (Lindane) a 1%: aplicar duas noites seguidas em todo o corpo, menos na face e pescoço, removendo com banho após 8 horas; repetir após 7 dias. Deve-se evitar contato com mucosas e, de preferência, não usar em lactentes e gestantes. Possui toxicidade quando em uso excessivo. O banho prévio aumenta a absorção percutânea. É o antiescabiótico mais eficaz e é pouco irritante, sendo o mais usado no momento.
          — Benzoato de benzila a 25%: aplicar três noites seguidas, removendo no outro dia, com o banho; repetir após 7 dias, se necessário. Medicamento eficaz, porém muito irritante. Produz ardência intensa quando aplicado em área genital; pode eczematizar com uso prolongado.
          — Monossulfiran a 25%: aplicar após o banho, diluído em água, na proporção de 1:2 (adultos) e 1:3 (crianças), em todo o corpo, durante 2 dias; repetir após uma semana. A solução deve ser preparada no momento do uso. Deve-se evitar fogo nas proximidades, por ser alcoólica. Suja a roupa por ser amarelada. É necessário evitar a ingestão de bebidas alcoólicas durante o tratamento, pois possui efeito semelhante ao dissulfiram (Antabuse).
          — Enxofre a 5-10% em creme Lanette: aplicar em todo o corpo, durante 3 dias, removendo com banho diário; repetir após 7 dias. Produto eficaz e de baixa toxicidade. É o mais seguro em gestantes e lactentes. É de uso mais restrito por ser cremoso e possuir odor muito marcante.

Tratamento Coadjuvante

          Após tratamento específico, os nódulos persistentes são tratados com corticóides tópicos fluorados, friccionando-os 3 vezes ao dia durante cerca de 10 dias. Se persistirem, deve-se realizar a infiltração intralesional de corticóide.
          As lesões infectadas são tratadas com antibióticos tópicos e/ou sistêmicos. Por exemplo, estearato de eritromicina (crianças: 10-40mg/kg por dia, adultos: 2g por dia) e/ou cremes com mupirocina ou gentamicina ou pomadas com ácido fusídico, durante uma semana.
          No caso de eczematização, é necessário tratar a dermatite antes do uso do escabicida para evitar piora do quadro.

Medidas Gerais

          É recomendável o uso de sabonetes brandos. Não há necessidade de sabonetes contendo escabicida, que possuem baixa eficácia e aumentam o risco de irritação primária.
          Deve-se trocar mais freqüentemente as roupas de uso pessoal e arejar, lavar e passar a ferro as roupas de cama, sendo necessária a fervura ou a esterilização.

PEDICULOSES

          Compreendem basicamente a pediculose do couro cabeludo, a pubiana e a do corpo.

Diagnóstico

          O diagnóstico da pediculose do couro cabeludo, causada pelo piolho Pediculus humanus capitis, baseia-se em: prurido no couro cabeludo, localização das lêndeas (ovos) do parasito aderidas ao pêlo e localização dos parasitas em movimento pelo couro cabeludo (mais comumente em pequeno número).
          Pode haver infecção secundária à coçagem.
          O diagnóstico da pediculose pubiana, causada pelo Pthirus pubis (chato), pode ser feito por: prurido em áreas pilosas; localização das lêndeas aderidas aos pêlos; identificação do parasito, geralmente em bom número, aderido à base do pêlo e em contato com a pele, além de crostículas sangüíneas na pele e nas roupas.
          O diagnóstico de pediculose do corpo, rara na atualidade pelas melhorias dos padrões de higiene, causada pelo Pediculus humanus corporis, se evidencia por: prurido corporal intenso, pápulas urticadas de centros purpúricos, que são mais comuns no dorso, ombros e nádegas; e localização do parasito e das lêndeas nas dobras das roupas.

Terapêutica

          A droga mais utilizada na pediculose do couro cabeludo é o xampu de Lindane a 1%. O couro cabeludo é lavado com o xampu por 2 dias consecutivos, deixando a espuma por 15 minutos; as lavagens são repetidas depois de 7 dias, após a abertura das lêndeas. Para remoção das lêndeas vazias, aplica-se solução aquosa de ácido acético (diluição de vinagre em água, em partes iguais) no couro cabeludo, por cerca de 20 minutos, lavando com xampu brando e pente fino. O xampu de deltametrina é uma segunda escolha, utilizado por 4 dias consecutivos, deixando a espuma por 10 minutos, repetindo após uma semana por mais 4 dias.
          Outra opção é a solução alcoólica de monossulfiram a 25%, aplicada por duas noites consecutivas e removida com lavagem pela manhã, com repetição após 7 dias, em diluições semelhantes às da escabiose.           Na pediculose pubiana, a droga de escolha é a solução de Lindane a 1%, pois as demais são muito irritantes para a região genital: é recomendável aplicar duas noites consecutivas em todas as áreas pilosas, menos no couro cabeludo, lavando pela manhã e repetindo após uma semana.
           Na pediculose do corpo, a inutilização das roupas infestadas e a boa higiene são suficientes para a cura do processo.

TUNGÍASE

          Conhecida como “bicho-de-pé”, é causada pela penetração, na pele, de uma pulga, a Tunga penetrans, que habita locais arenosos, como praias, chiqueiros e estábulos. Produz pápulas amareladas, com ponto preto central correspondendo à porção posterior do parasita que está encravado na camada córnea.

Diagnóstico

          O diagnóstico baseia-se em: afecção pruriginosa com pápulas amareladas e ponto preto central, acometimento preferencial dos pés, história de contato com praias, chiqueiros e estábulos.

Terapêutica

          É necessário extrair a pulga com agulha esterilizada ou puncionar a porção amarelada e espremer o conteúdo, geralmente minúsculos ovos e um enovelado esbranquiçado; aplicar pomada de antibiótico (por exemplo, creme com gentamicina ou pomada de ácido fusídico); nas linfangites e celulites, assim como nas complicações comuns, é necessário prescrever antibióticos sistêmicos. O terreno ou local infestado deve ser desinfetado com inseticidas.

MIIASES

          Há basicamente dois tipos a serem considerados: a miiase furuncolóide e as miiases secundárias.

Diagnóstico

          A miiase furunculóide é um processo causado por larvas de uma mosca, a Dermatobia hominis, que deposita seus ovos sobre mosquitos e moscas que, por sua vez, os carregam até o hospedeiro. As larvas penetram o tegumento e produzem nódulos inflamatórios dolorosos, com fistulização. Após completar o seu ciclo de maturação nesta cavidade subcutânea, são eliminadas espontanemente. O diagnóstico é feito por: nódulos inflamatórios fistulizados semelhantes a furúnculos, com eliminação de secreção serossanguinolenta; dor em ferroada — episódica — e visualização dos movimentos da extremidade da larva no orifício fistuloso.
          As miiases secundárias, também conhecidas como “bicheiras”, consistem na proliferação de larvas de moscas em ulcerações cutâneas. Geralmente são causadas pelos gêneros Callitroga (“varejeira”), Lucilia e Musca.
          O aspecto clínico é característico, com as larvas em grande quantidade movimentando-se dentro da ulceração.

Terapêutica

          O tratamento da miíase furunculóide é feito de forma simples: a larva é asfixiada para facilitar a sua remoção, ocluindo-se totalmente o orifício fistuloso com dupla camada de esparadrapo largo por 24 horas; após, a larva morta é removida com pinça sem dentes, junto com leve espremedura do nódulo; é feito um curativo com pomada de antibiótico. Em casos nos quais é impossível ocluir a lesão, alarga-se o orifício com pequena incisão, removendo-se a larva com pinças e leve espremedura do nódulo.
          O tratamento das miíases secundárias consite em: matar as larvas com éter e removê-las com pinça, fazer curativo com pomada fibrinolítica e antibiótica (colagenase mais cloranfenicol; por exemplo, Fibrase, Iruxol), manter cuidados de higiene e curativos para evitar deposição de novos ovos.

LARVA MIGRANS

          Também conhecida como “bicho geográfico”, é causada pela penetração, na pele, de larvas do gênero Ancylostoma. O seu caráter migratório origina trajetos lineares serpiginosos, geralmente com uma pápula numa das extremidades, local onde se encontra a larva. Estas lesões freqüentemente infectam ou ulceram.

Diagnóstico

          O diagnóstico baseia-se em: lesões papulosas, pruriginosas, lineares, serpiginosas, migratórias, únicas ou múltiplas, com localização preferencial em extremidades ou nas nádegas.

Terapêutica

          Fricção de pomada de tiabendazol, 4x/dia, durante 10 a 15 dias